segunda-feira, 12 de março de 2012

Meu Reino


Um dia eu acreditei nas histórias que eu via na TV.
Porque eu achei que as mocinhas dos filmes estavam vivendo um perigo real, então me apaixonei por elas. E em seguida vieram outras tantas que já achava que traí-las era uma coisa natural.
Eu também babei pela Lois Lane e fiquei puto quando o Super Homem apareceu naquela janela e lhe tirou a mordaça da boca. E como todo moleque que se preza levei a cena congelada pra dentro do banheiro e descabelei o palhaço. E por ser sincero comigo mesmo e leal às minhas convicções eu construí meu reino. Um mundo de “faz de conta” onde as meninas da escola habitavam e esperavam pra ser salvas por mim. Jamais quis ser o vilão, embora muitas vezes tivesse o desejo de vê-lo se fuder depois.
Os muros do meu reino eram inexpugnáveis e altos. Por muito tempo nele habitei sozinho, aliás, como muitos fetichistas que constroem seus castelos. De todo modo, sempre alimentei a esperança de ver as portas se abrirem e revelar rostos de uma multidão ávidos por viver dentro daquelas regras nocivas ao mundo lá fora.
Será tão complicado ser fetichista?
Não, acho que o assumir pra si mesmo é mais difícil. Depois as coisas se arranjam.
Por isso, estabeleci regras básicas pra admitir pessoas em meu reino. E a principal delas era a de aceitar todos os desejos como virtudes, ainda que de forma alguma fosse possível costurar uma ligação com fetiches alheios. Mas o senso comunitário sempre foi à bandeira, a senha de ingresso fortaleza adentro.
Sempre fui um ditador dos meus sonhos no meu reino. Eles sempre me acompanham e nele calcei meus alicerces. Talvez toda a perfeição que imaginei pro meu reino estivesse ligada aos meus sonhos e anseios. E por mais que eu tenha tentado evitar, a vida do lado de fora deu as cartas e revelou seus dramas. Porém, por mais força que tivessem estiveram longe de causar uma tragédia.
O fetiche pra mim nunca foi genérico ou blasé. Ele teve suas razões pra existir e por outro lado suas conseqüências. Aposto na minha própria essência e acho todos os dias inspiração pra que ele coexista comigo da mesma forma que se fez presente quando a mocinha estava em perigo na linha do trem.
Hoje talvez minha piração esteja mais aprazível e menos conturbada. Sei o que quero e muito do que tive de aprender foi fruto da minha própria inquietude. As portas do meu reino sempre estarão abertas pra quem quiser nele fazer sua morada, e pra isso, basta comungar do mesmo pensamento, não necessariamente sendo parte de um desejo conjugado.
Me lembro de uma passagem, lá pelos idos dos anos oitenta quando tudo ainda era tratado no escuro por essas bandas, de ler um artigo do Carlos Eduardo Novaes falando em podolatria. Achei aquilo um divisor de águas na época. Pensei que o sujeito estivesse possuído por alguma coisa, sei lá, entretanto, aquela atitude de se expor sempre bateu como uma ponta de lança no meu peito: ora, se ele pode, eu também posso, a minha maneira, é claro.

Naquele momento entendi que ele havia exposto seu reino e aberto as portas a todos que lá quisessem entrar e beber da mesma fonte. Tudo que ele dizia – e até hoje está vivo na minha memória – eu lia com atenção e sugava cada palavra. Lógico que quando ele contava que se escondia no armário pra ver os pés das amigas de suas tias saia do meu trilho e criava um descompasso nas minhas virtudes fetichistas, mas a todo o momento me imaginava naquele mundo, naquele reino que não era meu, mas que embora na vizinhança, era possível falar o mesmo idioma.


Hoje em dia nos espaços que a mídia nos proporciona as pessoas constroem seus reinos.
Eu sigo com o meu onde meus desejos ainda são particulares e minha voz é tirana, mas sempre abro minhas portas à elegância fetichista da mesma forma como limpo os pés pra entrar em outros tantos como o meu...

4 comentários:

Chris disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Chris disse...

Aprender leva tempo..eu ainda aprendendo. Sem reino e sem castelo. Construir leva tempo...eu ainda construindo.

vh carioca disse...

Parabéns A.C.M.

Já alançou a liberdade que muitos assim como eu desejam. mas ainda falta coragem.

Seu exemplo inspira e atiça a vontade de chegar lá.

Obrigado amigo

VH Carioca

ACM disse...

VH meu brother...

Acho que essa tal liberdade não é tão importante assim, desde que o trabalho seja autentico e firme como o seu, por exemplo.

Um grande abraço do amigo aqui