Costumamos chamar de relíquia alguns objetos que guardamos pra lembrar ou porque nos apegamos a pequenas coisas que fizeram parte da nossa vida. No fundo achamos que é uma forma de eternizar a nossa existência. Cada um tem uma maneira particular de juntar esses souvenires e as minhas relíquias são minhas lembranças.
Basta colocar uma musica pra tocar e logo a memória me leva de volta a lugares, pessoas, épocas, coisas que ficaram marcadas e tiveram a sua importância. Talvez um dia escreva essas memórias e daí tenha um livro para ser guardado, ao mesmo tempo imagino que o interesse é muito pessoal para ser dividido.
Algumas dessas lembranças, porém, valem ser relatadas por aqui, principalmente as fetichistas porque é uma forma de expor fatos que podem ser do interesse de quem quer começar uma vida nesse mundo particular onde o tempo não modifica sentimentos ou razões.
Pra começar essa séria série vou falar da minha primeira Play-Party.
Quis o destino que toda minha ansiedade fosse saciada justamente no olho do furacão, onde tudo acontece da forma mais natural possível e, pensando bem, devo ter tirado dessa experiência esse caráter libertino que tanto apavora a quem me conhece.
Descolar o convite foi uma barra. Amsterdam é uma cidade diferente, porque ao mesmo tempo em que te dá a plena noção do conceito de liberdade total, tem seus dogmas preservados num clube fechado, onde os que aprendem à liberalidade ficam do lado de fora. Tudo é possível desde que não seja porta adentro.
Mas após superar a desconfiança dos que me achavam apenas mais um curioso, fui levado ao primeiro gueto pelas mãos de um casal de Mexicanos proprietários de um pequeno restaurante nos arredores da Dam Square, uma praça bem no coração da cidade.
O lugar era singular, tipo um sobradão de três andares na Herenstraat de frente para o canal e tinha a mesma aparência torta como todas as casas antigas de Amsterdam. As paredes cinza com janelas brancas desbotadas, pé direito alto o cheiro de velas queimando e um ar típico underground.
Na porta recebi um adesivo vermelho que me proibia de tentar qualquer prática e nem o contrato que se assina de responsabilidade por nossos atos dentro do recinto me foi apresentado. Estava ali não mais que pra olhar, aprender, o que na visão daquelas pessoas já seria um motivo de orgulho pra mim.
Tive que me virar sozinho quando meus amigos se embrenharam no meio da play e partiram para fazer o que tinha de ser feito. Ao meu lado notei uma meia dúzia de pessoas que como eu também possuía o adesivo vermelho e pensei: achei minha turma, aqui é meu mundo e com eles tenho que encostar.
Atentos e evitando alguns comentários mais agudos, assistimos a castigos impossíveis de imaginar antes de estar ali. Me vi na pele daqueles submissos e agradeci por não ter aquele tesão. Que me perdoem os amigos e amigas que gostam, mas por mais que respeite foi difícil encaixar ao vivo pela primeira vez. E tanto outros atos que minha mente gravou de tal forma que somente conseguiria descrever se inventassem uma máquina que salvasse meus registros de memória.
Impressionado, atônito, perplexo, invente o adjetivo que quiser, pois foi assim que nem notei as horas passarem e só me dei conta que era uma Segunda-Feira quando o dia estava clareando. Nem me importei com meus amigos, já estava entrosado o suficiente para andar com minhas próprias pernas.
Mas havia ainda a derradeira cena que me fez sentir um gelado no peito quando uma das rainhas presentes me chamou. Pensei, vai querer me encher de porrada e vou embora no ato!
Aquela mulher esguia e elegante envolta em Látex me tratou com tanto carinho quando me aproximei que me fez ter a definitiva certeza de que aquele era meu lugar.
Me perguntou se eu havia gostado, quis saber da minha visão fetichista e quando falei de bondage ela disse: “você não acha que vai vir aqui só pra amarrar? Tem que fazer mais...”
E assim ganhei meu adesivo verde a partir da terceira Play e aprendi a fazer meus primeiros nós.