
A galera se esbalda, se conhece, e depois se junta em ambiente fechado cercado de regras e, principalmente disciplina.
A vida era dura naquela época e toda a grana que ganhava como DJ se dividia entre pagar meu mestrado e enviar ao Brasil, afinal meus compromissos aqui não terminaram depois que parti. Por isso, arranjar roupas pretas adequadas ao dress code tinha um custo alto que meu bolso não alcançava. Nas duas primeiras vezes que fui a play-party usei uma camiseta negra com a propaganda da boate que eu trabalhava, debaixo de um blazer azul marinho e calça jeans.
Três dominadoras comandavam a play com mão de ferro, distribuíam as cenas de acordo com os praticantes e estavam atentas a tudo e a todos. Uma delas me deu um toque sobre a roupa e disse que se eu quisesse trilhar por aquele caminho tinha que me apresentar como tal. Me senti pequeno, pobre, fudido, mais brasileiro do que nunca numa terra de gente bem sucedida, mas jurei que na próxima viria mais elegante que o Príncipe de Gales.
E chegou a minha vez. A pouca experiência que havia acumulado em bondage de nada me serviria naquele momento, apenas meu feeling foi capaz de me fazer sentir a vontade quando aquele cara troncudo de pele morena, fato raro por ali, tirou de uma pequena mala um arsenal de cordas de fazer inveja. Manuseava-as como um artista, com tamanha classe e habilidade que meu queixo caiu.
Hirsh era um cara paciente e notou que eu tinha apenas o fetiche na veia, noções de imobilização e muito imput tirado de fotos e filmes de bondage americano, através de contatos recentes nos sex shops espalhados pelas vielas e poucas práticas acumuladas sem as noções básicas. Me mostrou os cortes exatos, e com a precisão de um cirurgião começou a trançar as cordas no corpo de uma loira magrela trazida pela coleira das mãos de um sujeito com a cara do Zé do Caixão.
Reparei que as cordas sempre terminavam com duas pontas de 15 centímetros para o nó derradeiro, sem importar o desenho tatuado no corpo daquela mulher. Passei a festa toda auxiliando o mestre e captando seus ensinamentos atento a detalhes que a muitos podiam parecer idiotas.

Tinha um pequeno namoro com uma recepcionista do hotel onde eu morava e Esther passou a ser minha modelo favorita, mesmo sendo a única. Ela topou me ajudar, embora levasse uma vida quase baunilha, aturando minhas repetições que se sucediam centenas de vezes. De início errava no começo, depois passei a falhar no meio da amarração, mas o que mais me tirava do sério era quando o erro acontecia no final. Nestas ocasiões minha namoradinha Holandesa passou a conhecer o significado da palavra merda.
Depois de tanto tentar e insistir em criar minha própria seqüência de bondage, finalmente cheguei as tais pontas de 15 centímetros e assim que finalizai os nós perguntei a Esther como se sentia. Ela me disse: “me sinto toda amarrada”.
A alegria foi tanta que resultou na melhor trepada de mil novecentos e noventa!
Meus dias de aprendiz tinham acabado e diante das feras mostrei meu talento pela primeira vez numa play-party Holandesa seis meses após ter colocado meus pés naquela casa da Herenstraat.
Montei minha primeira cena com a escrava de uma das rainhas.
Ela trajava um corset que lhe deixava os seios à mostra e me possibilitava ousar num bondage de seios que ficavam expostos assim que seus cotovelos eram amarrados às costas.
Sujeitada pelas cordas que lhe prendiam de forma inescapável, derramei-lhe uma garrafa de Prosecco por todo o corpo e bebi as gotas que lhe escorriam.
Já como um Mestre em Bondage vivi muitas outras cenas incríveis na Herenstraat e noutras plays durante os quase três anos que fiquei em Amsterdam até voltar ao Brasil e começar uma outra história.
Um comentário:
Atevo-me em dizer querido que uma pessoa com a escola a qual pertenceu, poderia ter a capacidade para abrir um espaço com este e nos proporcionar leitura tão farta, rara e de imenso prazer.
Obrigada por nos contar suas reliquias, pedaços de sua história, que como você bem diz são um aprendizado para quem está começando.
E, também, a cumplicidade de dividir com seus leitores e leitoras seus grandes momentos.
Beijos
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