terça-feira, 10 de abril de 2012

E Quando Forem Vinte?


Em tese, deveria ser uma daquelas histórias do cara que conhece a gata...
Mas quando a fantasia se desvenda sem retoques o lugar dos plebeus se encanta. Um idioma diferente ao redor, luzes e sombras se misturaram numa dose correta de Mojito.
Mais uma dose! Entre tragos e suspiros o olhar da serpente do deserto anunciava o canto da sereia no mar. À esperteza de encontrar o lugar onde todos os males se curam e as dores desaparecem.
O realejo começou a contar uma história que tinha ares infinitos e cumplicidade com a eternidade. Neste dia, o pássaro solitário escolheu a trama perfeita ao deixar à gaiola. Um caso de anjos e demônios vivendo em plena sintonia debaixo do mesmo teto.
O mundo era meu e o sentimento de posse absolutista era fruto dos desejos realizados na plenitude. Cada detalhe trabalhado a exaustão, com fita métrica, na exata medida. Fetiche e sexo sem medos ou limites, ouro sobre azul.
A agonia da incerteza anulada por total dedicação.
Era chegada à hora do velho caçador desfrutar do descanso. Cordas e mordaças finalmente encontravam a parceria perfeita num lugar em que todas as bússolas apontavam como o quadrante exato onde o fetichista deixaria suas malas.
Bastava desejar e num piscar de olhos as coisas aconteciam cada vez mais intensas.
Um fetichista se descobre realizado quando sua intensidade é plenamente atendida e, principalmente, quando a parceira entende e conhece todos os atalhos capazes de te fazer acreditar que existe realmente abrigo para todas as suas pretensões.
Mas como disse Gracián, tudo o que é muito bom sempre foi pouco e raro. O muito é descrédito. A extensão sozinha nunca pôde exceder a mediocridade, e essa é a praga dos homens universais, por quererem estar em tudo, estão em nada.
Então é fácil concluir que o bondagista perdeu o trem da sua própria história.
A paixão pelos desejos alheios cedeu à boçalidade de acreditar que o brinde era maior que o ganhador. E talvez esse vencedor não tenha entendido que dentro de toda magia havia um ponto de cisão onde uma linha imaginária delimitava o bem e o mal num conceito confuso.
O mundo já não me pertencia e decidi apostar todas as fichas em nome de um passado recente e tentar recriar uma formula que já não fazia qualquer efeito. Passei a entender as palavras de Gracián e me contentei com o pouco.
Finalmente a estranha sensação de ver a vida através de uma gangorra. A felicidade em fragmentos fazendo valer a teoria macabra em que dia de muito é sempre véspera de pouco. Inúteis reflexos vazios, vãs tentativas de mudança de rota contrastando com o desejo de vingança traduzido na esperança de nunca mais querer o cálice da plenitude.
Anjos e demônios já não se entendiam mais e restavam as sobras. Naquela altura chegava à conclusão de que o realejo não mostrou a outra face da sorte e minha única chance era escapar ileso, sem comprometer meus desejos e sem perder a minha própria razão.
Hora de juntar os cacos, fazer as malas e voltar pra casa.
Entender que a cumplicidade havia sido efêmera e a razão, neste caso, sobrepôs à emoção.

O fetiche carregou a culpa e já que veio comigo se havia um culpado esse alguém era eu. Era preciso pegar a tempestade e colocar dentro de um copo d’água e reerguer, procurar a dignidade perdida e sair de cabeça em pé como um cara dedilhando seu violão no centro de um imenso pátio vazio tocando uma canção.
Não levei as fotos, mas guardei comigo um monte de boas lembranças.
É incrível admitir que esse tipo de sentimento ainda desperta o lirismo que nos leva a divagar entre sonhos e desejos desfeitos com tamanha naturalidade. Jamais imaginei ainda sentir coisas tão vibrantes após tanto tempo.

São fatos que o tempo não apaga, mesmo depois de mais de dez anos.
E quando forem vinte?

2 comentários:

C. disse...

Alguns homens costumam sofer da "maldição da noiva cadáver" rsrs
Enquanto isso, perdem possibilidades nos mundo das vivas!
Há histórias que ao morrer deixam saudade. Mas ok, e a vida que continua? Precisa arrastar as correntes pelos falecidos?
Acho que qdo se pensa assim, a gente se liberta dos "noivos e noivas cadáveres" que, de vez em quando, voltam do mundo dos mortos para assombrar a possibilidade de de presente e futuro. E eles -os noivos e noivas cadáveres" parecem ter sensor de felicidade alheia. É só o cara ou a mulher começarem uma nova história (que tem possibilidades reais de se desenvolver), eles ressurgem do "mundo dos mortos", ligam , mandam e-mails, recadinhos pelas redes sociais... E o desavisado ou desavisada se ilude com a possibilidade de um "remake" . Não tenho nada contra remakes, mas desde que haja possibilidades reais de reedição do filme. Mas remake não é a inteção do "noivo ou noiva cadáver" E daí o desavisado ou a desavisada sintoniza no chiado da velha onda de rádio e esquece que de prestar atenção nos novos sons.
E detalhe, os "cadáveres" aparecem do nada, e tb não querem nada com a gente a não ser nos prender em correntes que prendem também um monte de outros desavisados noivos e noivas cadáveres gostam de manter alguns zumbis por perto, pra lhes "sugar fluído vital". E aí, cuidado porque 10 anos irão passar, 20 anos tb e só ficamos arrastando correntes porque permitimos. Fantasiar sobre quem "já morreu" é muito fácil...Só ficam as boas lembranças e aí é fazer como o escorpião, quando tira a casca do seu ferimento para lembrar do que o agrediu. É lembrar de todas as coisas ruins que o "cadáver" nos fez viver... Mas lembrar e sentir com tanta intensidade e clareza de detalhes quanto se lembra dos "melhores momentos" que certamente nos custaram muito mais caro do que deviam. Nos levaram a senir os piores sentimentos, como mágoa, tristeza, rejeição, raiva, raiva de nós mesmos...A lista seria interminável!
Quando a gente age dessa forma, vai vendo que o elo da corrente que nos prende ao defunto vai ficando cada vez mais fraco e quando menos se espera, deixa de existir. Vovó ja dizia que para curar um "amor" melhor mesmo era um outro amor! Ânimo! Não se dixe abater pelas assombrações!
bj

ACM disse...

Querida C.

Belo comentário.
Podia tentar uma analise mais a miudo, mas prefiro resumir numa frase: "voltar para a noiva cadáver é como comprar um carro usado que você vendeu faz tempo, só que mais usado ainda...rs"

A idéia não foi apenas falar a respeito de um relacionamento perdido, a conotação foi no intuito de tentar alinhar o fetiche e sua relação com o próprio receio de escrever uma nova história com o mesmo sentido.

Faz parte, a fila anda.
Sentimentos revigoram e renascem diferentes. O cuidado exige que o fetiche seja pensado da mesma forma, porém, ladeado de fatos e versões diferentes.

Mas o medo existe!
Sem ele a vida não teria graça

Beijos e obrigado por escrever