quarta-feira, 4 de abril de 2012

A Cafetina da “Walletjes”


Passados cerca de três anos morando em Amsterdam, um amigo mexicano me convidou a um local que guardo até hoje num canto da minha memória. Conto então essa história.
Poucos dias bastam para que qualquer pessoa conheça todos os atalhos de Amsterdam, mas se existir introdução à cena, o resultado é bem melhor.
“De Walletjes” é um lugar que fica em frente a uma antiga Igreja do século quatorze e é a porta de entrada do famoso Bairro da Luz Vermelha.
Havia as garotas na vitrine e numa dessas casas habitava uma Cafetina e suas pupilas. Seu nome Aunt Miep e vivia nos andares de cima da casa, assim como os proxenetas e as outras “senhoras” que controlavam a vida e coletavam o salário das 500 meretrizes de “De Walletjes”.
A estimativa de clientes diários variava de 700 a 1000. Assim que um cliente saía do quarto abafado, superaquecido do rés-do-chão, o proxeneta abaixava uma corda onde a prostituta prendia o dinheiro ganho. Assim era a vida de Tia Miep e de lindas inglesas, holandesas do interior, algumas do leste europeu e até germânicas.
Meu amigo, muito chegado ao ambiente me deixou à vontade ouvindo muitas histórias daquela velha senhora que um dia esteve no andar de baixo. Falava do assassinato de uma chinesa e da morte suspeita de um marinheiro norueguês no final dos anos cinqüenta, mas acima de tudo, gabava-se por ter começado a “carreira” nas janelas. “Fui uma delas, mas num tempo em que grandes homens de negócios vinham escondidos em suas gabardinas, acompanhados de políticos que fazem parte da história da Europa”.
Exagero ou não, o Red-Light tem as suas histórias e ai de quem duvide delas.
Um caso interessante foi entre uma colega de trabalho dela e um proxeneta chamado Joop Scheide. Rigoroso com as meninas, Joop recebeu uma proposta de uma de suas meretrizes para vender a corda que lançava ao andar de baixo para a coleta do dinheiro arrecadado com os clientes. Como todo proxeneta que se preze, Joop Scheide aceitou negociar a velha corda por um preço considerado ridículo para a época, no que foi prontamente atendido pelo “hóspede” daquela meia hora.
A cordinha se tornou parte dos pertences daquela menina holandesa que todos os dias recebia a visita de seu admirador. Tia Miep contou que intrigado Joop passou a vigiar o casal em seus programas com medo que o objeto adquirido fosse parte de alguma trama criminosa que pudesse incriminá-lo, haja vista os acontecimentos da época, mas percebeu que se tratava de um fetiche de um cliente especial que gostava de ser amarrado por sua parceira com aquela corda usada, objeto principal de seu desejo.
Joop comprou outra corda, porém jamais apareceu alguém que pudesse fazer um lance por ela, afinal como um bom rufião nada mais além do dinheiro lhe causava tamanha atração.
Dentre as incontáveis histórias de Aunt Miep o fetiche sempre foi o foco principal, talvez porque eu tenha puxado a conversa para esse lado, ou ela também quisesse tocar nesse ponto, então entre grandes risadas e goles de cerveja a escutei falar em meias e calcinhas usadas que eram vendidas pelas prostitutas e até sapatos que alguns clientes adquiriam para utilizar com as suas mulheres em casa.

O Red-Light nem sempre foi bem visto pelas autoridades de Amsterdam e ao longo de sua existência, datada do século quinze, várias foram às tentativas para que tudo aquilo fosse fechado para sempre. Desde as perseguições que as meninas sofriam quando voltavam para casa nos arredores da cidade, até discursos inflamados de políticos conservadores (segundo Tia Miep, muitos desses pseudos moralistas eram freqüentadores dos bordéis). Nos últimos cinqüenta anos essas investidas foram diminuindo na medida em que o Red-Light tornou-se o ponto de atração turística mais

visitado na cidade, no entanto, casos de garotas sendo seguidas por clientes continuam sendo fonte de apreensão da policia e dos próprios donos dos bordéis, apesar de todo o aparato de segurança que existe no local, que conta com agentes contratados para por ordem nos arredores.
Essa história data de meados de 1992 enquanto ainda residia em Amsterdam, e depois disso nunca mais tive qualquer contato com a cafetina.
Antes de ir embora perguntei a Tia Miep sobre a maior preocupação das meninas quando deixam o local de trabalho e se sabia de algum incidente recente que pudesse relatar. Pousando seu copo e já em tom de despedida, me deu um beijo suave na face e me disse: “por maior que seja o problema, elas sempre voltam...”.

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