segunda-feira, 28 de maio de 2012

Doméstica


Luiz não gostava de BDSM.
Seu impulso fetichista não passava por pés, saltos, látex, nada disso. Muito menos tinha o pensamento lotado de coisas bizarras. Ele era viciado em empregadas domésticas.
Quem lê pode achar normal, básico. No entanto, ele abraçou a “causa” na adolescência e nunca mais se livrou do vício porque simplesmente nada funcionava se não houvesse a relação com uma empregada doméstica de verdade.
Os mais próximos, a quem confessava suas taras, lhe davam conselhos. Eu mesmo sugeri que ele pedisse à namorada que se vestisse como tal. Há fantasias aos montes à venda, coisa simples. Mas ele sempre foi resoluto e fazia de tudo pra sair com uma empregada doméstica real, e segundo as más línguas, chegava a pedir a carteira assinada – fato que acho folclore.
E ele não pirava no uniforme. O barato era a profissão mesmo. Houve um tempo em que andou saindo com uma garota e garantiu que era “meio-doméstica” por se tratar de uma babá.
Durou certo tempo, mais ou menos alguns anos em que ficamos sem contato.
Pode ser que esse caso tenha a ver com impulsos colhidos na fase adolescente. No caso do Luiz, foi tão forte que ele não achava a libido em outro parâmetro. A pessoa se liga de tal forma em suas relações primitivas que se torna complicado aceitar o reverso da moeda.
Na única vez que aceitou ter uma relação com uma mulher que não era doméstica o tiro foi curto. Na verdade ele abriu o jogo, foi claro e ela topou a aventura ao ponto de esperar pelo cidadão munida de artefatos de limpeza e, segundo ele mesmo afirma, esfregava o chão pra criar o tal clima que ele precisava pra entrar em alfa.
E cá pra nós, boa vontade não faltou.
Entretanto, a onda fetichista do sujeito era outra e as coisas não progrediram.
Entendo que o fetiche e o fetichista formam uma relação inseparável. É fato. Mas se não houver compreensão de quem tem a fantasia quanto ao mundo em sua volta tudo vira uma clamorosa doideira e explode em lances infelizes sem remendo.
Porque algumas fantasias são desprovidas de quorum.
Alguém pode levantar uma questão até certo ponto banal. Por que o Luiz não se casou com uma doméstica? Perfeito, também pensei assim. O problema é que o ilustre fetichista chegou a namorar com domésticas em algum ponto dos seus cinqüenta e poucos anos de idade e a idéia de manter essa relação passava direto pelo fato de terem que deixar o emprego. Complicado...
O cara flertava, saia com a empregada doméstica e depois não aceitava que ela seguisse em seu trabalho. Nesse caso, das duas uma: ou o Luiz é um demente completo, ou apenas imagina a vida sem um compromisso, ou ainda, tem algum problema passível de tratamento.
Alguém chegado me garantiu que além do casamento o relacionamento mais longo com uma empregada doméstica real não passou de seis meses. Dizem às fontes que tinha tudo pra dar certo, as coisas estavam a mil por hora, porém, a moça era empregada de sua irmã e com receio da noticia se espalhar com força na família ele abriu mão de ser feliz.
Seria mais fácil se o Luiz gostasse de amarrar na hora do sexo, flertasse com uns tapas aqui ou lá ou babasse por pés. Mas ele foi parar noutra vertente e complicou sua guerra.

Semana passada em meio a compromissos intermináveis aqui na empresa que me impediram de postar por dois ou três dias topei com o Luiz. A mesma atmosfera de quase trinta anos atrás e ainda os mesmos sonhos, planos e dúvidas. Batemos um papo rápido num café aqui perto, no Centro, e ele deu mostras de que não abre mão do que ele hoje chama de consciência fetichista. 
Assume a tara na maior naturalidade e insiste em suas convicções.
Toda consciência fetichista é legitima. Concordo. Mudar o rumo é complexo. Os anos de convivência com as fantasias são responsáveis 

pelo aprisionamento do fetichista às suas práticas, mas cabe a quem tem o entendimento do óbvio, lutar para que haja uma adaptação a sociedade em que se vive.
Toda realidade que a fantasia exerce sobre o fetichista quando bem desenvolvida, pode ter início num grande teatro onde ele desenvolve suas melhores obras.

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