Luiz não gostava de BDSM.
Seu impulso fetichista não passava por pés, saltos, látex,
nada disso. Muito menos tinha o pensamento lotado de coisas bizarras. Ele era
viciado em empregadas domésticas.
Quem lê pode achar normal, básico. No entanto, ele
abraçou a “causa” na adolescência e nunca mais se livrou do vício porque
simplesmente nada funcionava se não houvesse a relação com uma empregada doméstica
de verdade.
Os mais próximos, a quem confessava suas taras, lhe davam
conselhos. Eu mesmo sugeri que ele pedisse à namorada que se vestisse como tal.
Há fantasias aos montes à venda, coisa simples. Mas ele sempre foi resoluto e
fazia de tudo pra sair com uma empregada doméstica real, e segundo as más línguas,
chegava a pedir a carteira assinada – fato que acho folclore.
E ele não pirava no uniforme. O barato era a profissão mesmo.
Houve um tempo em que andou saindo com uma garota e garantiu que era “meio-doméstica”
por se tratar de uma babá.
Durou certo tempo, mais ou menos alguns anos em que
ficamos sem contato.
Pode ser que esse caso tenha a ver com impulsos colhidos na
fase adolescente. No caso do Luiz, foi tão forte que ele não achava a libido em
outro parâmetro. A pessoa se liga de tal forma em suas relações primitivas que
se torna complicado aceitar o reverso da moeda.
Na única vez que aceitou ter uma relação com uma mulher
que não era doméstica o tiro foi curto. Na verdade ele abriu o jogo, foi claro
e ela topou a aventura ao ponto de esperar pelo cidadão munida de artefatos de
limpeza e, segundo ele mesmo afirma, esfregava o chão pra criar o tal clima que
ele precisava pra entrar em alfa.
E cá pra nós, boa vontade não faltou.
Entretanto, a onda fetichista do sujeito era outra e as
coisas não progrediram.
Entendo que o fetiche e o fetichista formam uma relação inseparável.
É fato. Mas se não houver compreensão de quem tem a fantasia quanto ao mundo em
sua volta tudo vira uma clamorosa doideira e explode em lances infelizes sem
remendo.
Porque algumas fantasias são desprovidas de quorum.
Alguém pode levantar uma questão até certo ponto banal.
Por que o Luiz não se casou com uma doméstica? Perfeito, também pensei assim. O
problema é que o ilustre fetichista chegou a namorar com domésticas em algum
ponto dos seus cinqüenta e poucos anos de idade e a idéia de manter essa relação
passava direto pelo fato de terem que deixar o emprego. Complicado...
O cara flertava, saia com a empregada doméstica e depois não
aceitava que ela seguisse em seu trabalho. Nesse caso, das duas uma: ou o Luiz
é um demente completo, ou apenas imagina a vida sem um compromisso, ou ainda, tem
algum problema passível de tratamento.
Alguém chegado me garantiu que além do casamento o
relacionamento mais longo com uma empregada doméstica real não passou de seis
meses. Dizem às fontes que tinha tudo pra dar certo, as coisas estavam a mil
por hora, porém, a moça era empregada de sua irmã e com receio da noticia se
espalhar com força na família ele abriu mão de ser feliz.
Seria mais fácil se o Luiz gostasse de amarrar na hora do
sexo, flertasse com uns tapas aqui ou lá ou babasse por pés. Mas ele foi parar
noutra vertente e complicou sua guerra.
Semana passada em meio a compromissos intermináveis aqui
na empresa que me impediram de postar por dois ou três dias topei com o Luiz. A
mesma atmosfera de quase trinta anos atrás e ainda os mesmos sonhos, planos e
dúvidas. Batemos um papo rápido num café aqui perto, no Centro, e ele deu
mostras de que não abre mão do que ele hoje chama de consciência fetichista.
Assume
a tara na maior naturalidade e insiste em suas convicções.
Toda consciência fetichista é legitima. Concordo. Mudar o
rumo é complexo. Os anos de convivência com as fantasias são responsáveis
pelo aprisionamento do fetichista às
suas práticas, mas cabe a quem tem o entendimento do óbvio, lutar para que haja
uma adaptação a sociedade em que se vive.
Toda realidade que a fantasia exerce sobre o fetichista
quando bem desenvolvida, pode ter início num grande teatro onde ele desenvolve
suas melhores obras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário