Mas em algum lado BDSM e fetichismo se misturam. Pode
apostar.
Mesmo de forma totalmente inconsciente há a mescla básica
e necessária.
Descobri isso faz tempo. Exatamente quando cheguei em
Amsterdam.
Porque na terra gelada dos caras rudes e mulheres grandes
sadismo e masoquismo nunca foram tão bem vindos. E acho que pela primeira vez
pude entender que um masoquista não se realiza enfiando uma agulha no dedo por
sua conta e risco, ele precisa do sádico e da cena.
E a cena é a fantasia, o fetiche latente e pulsante.
O BDSM sempre carrega essa dúvida.
Há praticantes que pensam em cenas mortas, sem glamour.
Basta ter a dor pra ter prazer. Talvez o fetiche venha depois, através de
fotos, de lembranças, de glórias. Uma marca, uma cicatriz. Mas se este
praticante pudesse criar sua cena e estabelecer um elo entre o que gosta e o
que reluz, ele teria a simplicidade da criação atendida na plenitude e, talvez,
pudesse até mesmo melhorar sua performance.
Ora, fantasias não se definem por acaso. Deve haver um
contexto, razões que sutilmente acelerem o desejo. É o momento em que se cria o
enredo e se traça planos pra levar os sonhos à realidade. Isso se chama
identificação com o próprio desejo.
Admito que alguns dominadores e dominadoras queiram de
seus parceiros a entrega nua, completa e definitiva e através dessa devoção estabeleçam
seus próprios critérios de fantasia. Entretanto, com uma pitada de simbolismo a
submissão cria asas e permite a quem está inclinado a admitir a relação à obtenção
de doses de adrenalina para a sua própria combustão.
No bondagismo é mais simples. Alguém é vitima de um seqüestro
lúdico e a cena está posta.
Nem tanto. Os desejos afloram em sentidos diferentes por
quem entende a fantasia e seu conteúdo. Sapatos, botas, pés, cordas, correntes,
algemas, couro, enfim, tudo isso é o fetichismo representado por objetos e ações
que vão compor um cenário.
E dessa forma a relação SM também deve ser norteada. Qual
submisso não gostaria de ver sua rainha em trajes de gala? A transa perfeita
sempre será perfeita, mas se puder vir adornada em detalhes que provoquem todas
as sensações imaginadas haverá mais libido, tesão.
Existem fetiches comuns com práticas distintas. A moça
vestida de colegial, por exemplo, será para o sádico ou o bondagista a imagem
do prazer. Cada qual viverá a cena a seu modo, mas o fetichismo estampado no
uniforme será o mesmo.
A simbologia é sempre bem vinda. Conheço submissa que é
doida pra se entregar a um dominador vestido de militar. Fácil, simples, há
casas especializadas que alugam ou vendem esses trajes. Mas elas travam com
medo de serem abusivas. Por isso, morrem com água na boca sempre esperando pelo
dia em que tomarão coragem de dizer o que pretendem.
Não há segredos absolutos dentro do BDSM que morram
trancados. Se a onda é fantasiar, criar e reinventar sentimentos guardados, o
travamento é nocivo e muitas vezes relacionamentos terminam sem que tenha
havido a cumplicidade necessária pra abrir o jogo.
Talvez essa seja a principal razão para que todos os praticantes
façam uma releitura de suas atividades. Valorizar cada passo conquistado dentro
do BDSM é sadio. Não se deve viver uma cena por viver. Às vezes o óbvio é tão
mesquinho que gera até arrependimento. O sujeito diz a ele mesmo: “putz, podia
ter feito melhor”.
Todos nós carregamos nossas culpas e remorsos. Não dá pra
repetir e se arrepender sempre.
É preciso ousar e criar pra que a fantasia não vire algo
sem sentido ou sem imaginação. Se o fetichismo existe pra quebrar a rotina,
atender
desejos diferentes, que ele seja então totalmente inusitado como o próprio
nome explica. Um feitiço.
O bom disso tudo é ouvir no final da cena alguém dizendo
que foi a melhor que existiu desde que se entende como fetichista. Daí basta
caprichar na próxima e ser feliz.
2 comentários:
Oi ACM. Como sempre a escrita impecável na disertação do tema... agora uma coisa para sua habil caneta...
Eu vejo que existem dois "sabores" distintos quando a gente se refere ao "S" de Submissão no Bondage: O primeiro, poderia se chamar da submissão pura quando o Bondagista procura o tipo "inocente vitima". Porem, existe também a "falsa" submissão, por assim dizer, ou seja, a vitima não é submissa, muito pelo contrario, ela é dominada a força. Já vi inclusive alguns filminhos da "Dominatrix dominada"... Alias, esse é um role play bem mais difícil de implementar na prática... precisa muita combinação de "safe word"...
Manda lá sua opinião....
Caro(a) Anônimo (a)
É assim.
Primeiro te agradecer pelos elogios e vamos a caneta...rs
Minha opinião é simples: num jogo de bondage não necessariamente precisa existir a submissão. Claro que alguém se submete ao aprisionamento quando da própria prática pode haver um entendimento de entrega, mas a submissão ao pé da letra não seria um ponto fundamental.
Se falarmos em roleplay o comando muda de mão, daí a "troca de vitima" ficaria tão evidente anulando o contexto da submissão.
Daí a submissão que você chama de falsa seria interpretativa, ou seja, um teatrinho entre adultos que resolvem viver uma aventura.
Seriam muito mais atores do que praticantes de BDSM.
No casos das Dommes conheço exemplos em que existe essa química de viver os dois lados. Não seriam switchers desde que as práticas de BDSM fiquem isoladas, o que de certa forma significaria o abandono da safe word de proteção.
Claro que toda prática necessita de muita combinação e cuidados, e já foi muito falado aqui sobre a necessidade de ter até obetos cortantes que possibilitem a quem está aprisionado se libertar caso ocorra algum imprevisto.
Dito isso, creio que respondi seu inteligente questionamento, caso contrário te convido a repostar alguma réplica de algo que tenha ficado subententido.
Grande Abraço!
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