Não sei por que cargas d’água o papo acabou em sexo.
Aquela mulher quarentona, bonita e elegante na exata medida tinha um semblante muito
fechado pra partir pra esse tipo de assunto. Tá legal que era uma roda de amigos,
mas ela tinha um ar blasé demais pra tanto.
Nessas horas é impossível não perceber o que umas três taças
de vinho são capazes em seu douto efeito. E a mulher entrou na dança justamente
quando se falava em fetiches. Aliás, vale uma ressalva: esse livro dos cinqüenta
tons é meio caminho...
Mas a moça veio com força e falou de forma rude que esse
negócio de sadomasoquismo é coisa de doido. E pior, olhando pra mim, como se eu
fosse o ultimo dos pagãos na face da terra desde Sodoma.
Mas eu encaixo bem esse tipo de resenha. E olha que ainda
estávamos falando em fetiches comportados porque a maioria apenas demonstrava
desejo de ler o livro. O papo era lingerie, saltos, pés e etc. Ninguém tinha
cruzado a fronteira pra falar em tapinhas sequer. Acho até que alguém mencionou
algemas e coisa e tal, mas a senhorita era feroz.
Quando deixei claro minha opção fetichista virei alvo.
Dela é lógico, afinal, muitos ali sabiam da minha escolha e até conhecem o
espaço aqui.
Lá pelas tantas a mocinha me perguntou se eu também
transava papai e mamãe.
Acho um papo meio decadente esse negócio de papai e mamãe.
A tal da “Missionary Position” é mais antiga que o Kama Sutra. O homem no topo
e a mulher a espera. Mas pelo visto aquela pessoa elegante com tanto horror a
práticas mais ardentes deveria se enfiar debaixo das cobertas e deixar de fora
apenas os olhinhos se movendo. Já imagino a cena! Gemidos? Nunca, totalmente
fora de critério, porque segundo ela algumas coisas são muito modernas pra seu
entendimento.
Bom, diante disso e comparando as idades me senti um
Dinossauro em pleno estado vegetativo imposto pelo Doutor No do Ian Fleming num
filme de James Bond. Mas segui a linha colocando sobre a mesa que novas idéias
e atitudes nunca fizeram mal dentro de uma relação. E o livro analisa o BDSM de
fora pra dentro, justamente o que o povo que tem desejos ocultos e não gosta de
se confessar mais se interessa.
No fim das contas aquela mulher mudou o tom e surgiu
interagindo. Dava pitacos além do que havia opinado. Pensei: santa bipolaridade
exposta! E em meio a risadas e mais garrafas de vinho vazias ela mandou uma
bomba na mesa e confessou que em seu ultimo relacionamento havia visitado
sexshops em busca de brinquedos eróticos, pois seu ex-namorado adorava um fio
terra e estava inclinado a experimentar o que ela chamava de consolo com cinto.
Mas isso é inversão - eu disse. Espantada a moça não se
deu conta que praticava um fetiche com seu parceiro muito requisitado por
praticantes convictos de BDSM. Quando comecei a explicar ela se ajeitou e
procurou ouvir atenta. E eu parecia um doutrinador em pleno exercício quando atento
tomei ciência que ela o havia iniciado, porque segundo seu relato teria um
gosto excêntrico por colocar o dedinho no ânus dos seus namorados desde muito
jovem.
De repente ela caiu num abismo e ruborizou. Pela primeira
vez se abria diante de amigos e sentiu o peso da confissão diante de olhares
curiosos. Procurei deixá-la tranqüila, contei até alguns casos na tentativa de
fazer algum coro, pra justamente passar a impressão de que ela não estava
sozinha em meio ao povo já soltando desejos aos quatro cantos.
Voltando pra casa percebi o quanto o fetichismo assusta
as pessoas.
Claro que ninguém é obrigado a contar suas aventuras e
fantasias em meio a uma roda de amigos, mas também não é bacana eleger o
fetichismo como uma prática pervertida, e pior, por absoluta falta de conhecimento,
colocar todas as práticas num mesmo baú.
Não sei se verei mais aquela moça e ouvirei seus segredos, e
tampouco saberei quantos sujeitos ela anda convencendo a serem sodomizados e em
seguida deitar num papai e mamãe tão comportada como uma normalista.
No entanto, fica a lição pra ela, pra mim e pra todos de
que o que nos leva a obter o prazer ao máximo não é fruto de fantasias inconfessáveis
que podem não ser reveladas apenas, mas devem ser pelo menos admitidas em lugar
de hostilizadas.
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