
O Fernando passava a vida assim: olhando pro chão.
Alguns transeuntes pensavam que ele estava sempre à procura de um objeto perdido, mas seus olhos eram guiados pelos pés das moças.
Pra arranjar namorada era um desafio. Quem achava que ele olhava para o rosto delas, os lábios, seios ou andava em busca de um corpo escultural quebrava a cara. Pra ser sua namorada tinha que ter os pés perfeitos, ou os que ele assim determinava.
Aos mais íntimos ele confessava, fazia comentários e queria opiniões. Mas como obter feedback se algumas pessoas nada entendiam?
Um dia ele namorou e se casou. Pra muitos um fato normal, pra mim que o conhecia muito bem entendi que os pés daquela mulher resumiram a sua procura. Estava apaixonado por aqueles dez dedos.
Passou um tempo que não nos vimos. Casei também, na época, e a luta pela sobrevivência absorvia meus dias e noites de tal forma que os amigos foram ficando pra trás e sumindo aos poucos. Um dia cruzei com o Fernando no Centro. Marcamos de almoçar e pôr o papo em dia. O almoço durango, num daqueles restaurantes especializados em galeto servido no balcão que aqui no Rio se chama de “bunda de fora”, Fernando desandou a falar da mulher, de tudo que sentia por ela e como era de costume, reclamou da falta de grana. Nada anormal para dois jovens com vinte e poucos anos e a vida por ganhar.
Mas seu lamento tinha um sentido. E tanto.
O cara me falou que cerca de trinta por cento do salário, que não era lá essas coisas, gastava com a contratação de garotas de programa que iam até sua casa, de forma discreta, e lá participavam das fantasias que mantinha com a esposa. “ACM, eu não toco nas mulheres e tão pouco minha mulher. Elas só beijam os pés da minha esposa para que eu assista”.
Embora fossemos fetichistas assumidos, a princípio estranhei o fato, não pela realização da fantasia sexual em si, mas pelo comprometimento de suas receitas.
Normalmente este tipo de comportamento é comum em pessoas com maior poder aquisitivo, que podem tirar generosas lascas de seu soldo para essa brincadeira. Mas o cara estava na batalha, tentando construir uma vida a dois, o que fazia contraste com tamanho desperdício.
Os argumentos do sujeito eram firmes. Mostravam segurança e, principalmente, dependência total e absoluta.
“Cara, chego ao ponto de exigir que elas venham de sapatos fechados para que minha mulher não tenha ciúmes. Nunca me passou pela cabeça utilizar qualquer dessas garotas de forma solitária e por isso conto com o apoio da minha esposa.”
Fernando continuava com suas histórias e eu engolia a comida acompanhada da surpresa. Ficava boquiaberto com os conceitos do cara que fazia questão de admitir que outros vinte por cento do que ganhava era deixado em lojas de calçados, porque quase toda semana comprava sapatos para a mulher.
Durante um bom tempo mantivemos contato. Fernando atravessou momentos terríveis de falta de grana. Atrasava aluguel, corria atrás de bicos pra garantir as contas, mas não desistia de suas aventuras. Nunca perguntei a ela o que pensava disso tudo. Nunca houve intimidade pra tanto e eu a conhecia pouco.
Escrevi sobre o Fernando hoje porque me lembrei de fatos antigos. Tem uns quinze anos que não o vejo, mas soube que hoje ele é proprietário de uma casa de festas infantis e vive bem. Continua casado com a mesma mulher e deve ser feliz.

Eta saudosismo que mata!
Quer saber? Embora não me considere um podólatra, também adoro ver mulher beijando o pé da outra.
Só não sei se apostaria tanto...
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