
Vinha do almoço, corrido como sempre nos restaurantes à kilo onde um punhado de salada e alguma proteína animal são suficientes para sustentar uma pessoa com mais umas oito horas de trabalho pela frente.
Mas vinha, caminhava na calçada estreita e mal conservada esbarrando num monte de gente apressada nos dois sentidos, espremido entre os camelôs e os entregadores de folhetinhos que oferecem desde videntes que prometem recuperar marido em sete dias até propaganda de agiota, quando me deparo com uma linda mulher já chegando ao fim do ciclo balzaquiano; elegantemente vestida, salto, meia de seda, um comportado vestido colado e uma bolsa preta de onde caiu um chaveiro.
Prontamente abaixei, peguei o objeto e apertando os passos toquei em seu ombro esquerdo para lhe entregar o chaveiro perdido. Para minha surpresa, a moça empurrou minha mão que lhe acabara de tocar levemente soltando um “tá maluco”!
Espantado e sem tempo para entender o que se passava, assisti aquela mulher antes linda e naquele instante vulgar, vociferar palavrões sem nexo aos berros diante de minha reação atônita e idiota com um chaveiro na mão.
Morrendo de vergonha, tentei explicar que aquilo lhe pertencia e quando se deu conta, sem graça, pegou-o de volta insistindo em me insultar por conta do susto. Porém, em determinado instante sem encontrar uma solução para terminar o assunto soltei: “quer saber, foda-se!”.
Pois foi a conta Zé, porque a mulher parou de gritar e ficou me olhando em silencio.
Pensei: se ela estiver olhando pra minha cara e me tirando como “tiozão” deve estar maluca, porque se meus olhos não me enganam ela está na casa dos trinta e altos e com meus doze anos sequer pensaria em ser pai, ou vai mandar enfiar o chaveiro no rabo...
Me preparei para virar e seguir meu rumo quando escutei a segunda parte das ofensas através de um sonoro “grosso” e outros desaforos. Nem me preocupei porque sabia que se desse ouvido ela iria continuar com a ladainha, por isso fui embora. Em parte lamentando uma mulher tão bonita e elegante com hábitos de “Chica Malvada da Boca do Mangue”, mas por outro lado com alma aliviada por ter soltado aquele “foda-se”.
E como ninguém sobe ladeira de costas, dias depois num encontro fetichista em um bar aqui pertinho, no centro, topei com a dita cuja de aparência elegante e faca entre os dentes num ninho pra lá de conhecido, cheio de amigos amigas de longa data que prontamente me reapresentaram a senhorita estressada.
Imediatamente após o famoso “te conheço de algum lugar”, mantive a distância prudente e necessária da moça por vias das dúvidas, mas ao mesmo tempo passei a observar seu comportamento para tentar entender se ela estava ali para acalmar a fúria ou por outra razão. Porque se fosse para curar o mal humor e se apresentar como domme, avisaria ao primeiro submisso presente do perigo que estaria correndo afinal poderia até levar um pontapé ao tentar lhe beijar os pés.
Aí, entre cervejas e batatas fritas, acabei descobrindo que a jovem senhora com ares de transloucada resolvera partir em busca para descobrir suas próprias tendências e, no frigir dos ovos, obtive uma informação de porta de cocheira que a danada estava prestes a tornar-se submissa de um dominador amigo meu, e pior, ou melhor, o cara é mais sádico que o Marques.
Talvez ele possa lhe por umas rédeas, quem sabe...
É Zé, o fetiche tem dessas coisas.
2 comentários:
Ser fetichista ou não, nada disso é razão para a pessoa não ter boa educação.
Você foi feliz em mandá-la para aquele lugar.
Adoro o humor com que tratas os assuntos!
Repito aqui o que sempre digo a amigos e conhecidos: o Rio de Janeiro é a gema.
Só aqui uma mulher de 26 e outra de 19 descobrem que sairam com um mesmo homem, quando ambas tinham 17 anos.
Só aqui você encontra um conhecido - com quem perdeu contato há 3 anos - em um mesmo grupo que se participa para discussão de leitura.
Só aqui se encontra no aeroporto uma amiga de infância, com quem se perdeu contato há 11 anos.
Os exemplos poderiam se estender por horas a fio, mas fico por aqui, certa de que mais cariocas terão mais histórias desse tipo para dividir.
Concordo com a Maria Augusta em gênero, número e grau!
Deves ter lavado a alma!
Beijos...
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