quinta-feira, 18 de abril de 2013

O Dia em que o Fetiche "quase" Morreu


Dizem que o que nasce conosco se manifesta na infância. Infelizmente, depois de meio século algumas dessas memórias se foram. O que lembro de fetiches remonta o tempo que os pelos cresciam no corpo, na inquietação adolescente.
E nessa época, cercada de medos e incertezas, tudo que se tem é a tentativa de fazer pulsar e viver algo que provoca as primeiras ereções autênticas através de simples brincadeiras que para os que estão em volta nada mais são que ecos infantis. O fetiche sobrevive no escuro.
O tempo passa e o fetichista como qualquer outro ser humano colhe as primeiras paixões. A timidez o esmaga por dentro e ele deixa de lado a própria essência por simples opção. Se entrega pela metade, dá o corpo e reserva a alma, e pela primeira vez tenta desesperadamente matar o que o acompanha desde que abriu os olhos na maternidade.
O fetiche morre pela primeira vez.
Entretanto, dentro de um contexto kardecista ele pode renascer. A eternidade conspira a favor e se consegue extrair pequenas doses de prazer quando o cinema ou a TV mostram o que ainda existe sepultado dentro da própria consciência. Mais tempo passa, a maturidade chega e com ela vêm as lembranças. Amores partidos, relacionamentos pela metade e uma enorme vontade de assumir as diferenças. Invejas bondosas de quem dá a cara e vontade de ser livre.
Lentamente o fetiche começa a tomar forma e, finalmente, renasce. O fetichista já consegue controlar seus impulsos e aceita uma verdade imutável de que terá que conviver com ele pra sempre. Convive com dias de altos e baixos, com sonhos que se realizam em bordéis escuros e guarda todos os seus segredos dentro de um cofre inexpugnável. Já não sente vergonha diante do espelho, combate a timidez com bravura e se torna um guerreiro em prol de seus próprios sonhos.
Enfrenta tédios que duram dias intermináveis e luta pela vida arrastando sua própria razão de existir sem dividir. Consegue orientação por seus méritos e não desiste. O futuro é encarado sempre com bons olhos. Se reinventa, recria cenários perdidos e aposta sempre no que vem pela frente. Flerta com imagens que colhe e nelas vê traduzida sua própria semelhança.
Segue o instinto. Fareja parcerias e inventa casos que jamais se tornaram reais. Descobre nichos e guetos, transita em meio a pessoas de senso comum e desabrocha reescrevendo contos que alinhavou nos tempos idos.
Consegue enxergar o óbvio e passeia por caminhos distintos fazendo a separação exata das coisas como deve ser. Cria um personagem, dá vida a um ser que não tem identidade e faz dele sua imagem e semelhança. Ele é aquilo que o fetichista queria ser. Porque ninguém sonha com agonia, com angustia e desprazer.
O fetichista se fortalece. Consegue suplantar ironias, verbaliza suas virtudes e não somatiza decepções. Valoriza seu gosto apurado e começa a partir desta fase a se orgulhar com a própria sofisticação de suas fantasias. Vive dias de cumplicidade total.
Entretanto, um artista não pode se separar de sua obra e quando isso acontece ele se torna vazio. É preciso recomeçar pra não ver tudo murchar em morte lenta e agonizante. Entender as voltas da vida e, principalmente as pessoas que vêm e vão. Num planeta globalizado, totalmente diferente em que se viu nascer à harmonia de sentimentos, faz-se obrigatório compreender a chegada de novos habitantes nessa grande avenida chamada fetichismo.

Nesta etapa é necessário ter a consciência de que toda a experiência faz com que o fetichista deixe de ser um recém chegado para se tornar um exemplo para quem se aproxima.
Compreender as misturas de elementos, o aroma que se acentua forte num insosso sabor baunilha quando há a conjugação de fatores que atraem quem está chegando.
O planeta fetiche é como uma estação de trem, aonde pessoas chegam e partem sem critério especifico. Uns marcam sua passagem outros simplesmente desaparecem sem deixar vestígios. Mas o verdadeiro fetichista que carrega

a chama acesa no peito há de perseverar por todos os meios para que não tenha que renascer outra vez.


2 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhoso!

Anônimo disse...

Verdadeiro!