quinta-feira, 12 de março de 2009

Lente Indiscreta


Lembrei de um fato e achei legal contar aqui.
Um amigo tinha uma mania bem estranha: escondia a câmera de filmagem entre roupas sujas na cômoda do quarto (naquela época era VHS, daquelas grandes) e sorrateiramente captava imagens de suas “transas” com as namoradas, sem que elas sequer desconfiassem. A imagem era fixa, e assim do nada, tal e qual uma obra de Irving Klaw, aparecia o dito cujo peladão: deitava na cama e uma mulher não menos despida, se ajeitava ao seu lado.
Tórridas cenas seguiam àquela apresentação insólita e como um bom exibicionista, havia convidado a mim e a um outro amigo em comum para assistir uma fita VHS com os “melhores momentos” de suas estripulias.
Reparei que em cada “capitulo” havia um estridente tapa na cara, pra lá e pra cá, sem dó e sem piedade. A coisa foi esquentando e lá pelo terceiro episódio rolou um par de gravatas atando os pulsos de sua namorada aos braços da cama.
Na hora o sangue ferveu, mas detalhe: jamais tinha tocado no assunto fetiche com nenhum dos dois amigos presentes à exibição de cine pornô e, portanto, ninguém sabia das minhas preferências. Mas enquanto a matinê pornográfica rolava, ao terminar o episódio, humildemente pedi que repetisse a cena da gravata, sem pressa.
- Gostou dessa “né”? – falou com um ar de diretor de filme B.
- Gostei – respondi.
Ele voltou a fita e pude ver em detalhes a bela mulher amarrada na cama sendo beijada e ao mesmo tempo levando um espancamento “leve”.
Bom, terminada a sessão, tive duas certezas: meu amigo tinha um “q” de fetichista e a mulher amarrada era sua “ex-noiva” que eu conhecia muito bem.
Achei melhor não esticar a conversa e revelar detalhes da minha intimidade, porque apesar de conhecer o cara de longa data, aquele tipo de filmagem realizada sem o devido consentimento não era muito do meu feitio. Saímos para tomar um chope e a conversa ficou restrita ao sexo sem alongar para o assunto fetichista.
Mas o inesperado daquela vez me fez uma surpresa e um mês e pouco depois encontrei com a ex-noiva de meu amigo dentro de um vagão do Metrô. Conversa vai e conversa vem, trocamos telefones e ficamos de nos falar para um papo com calma, mas aquela cena não me saía da cabeça de forma alguma.
E finalmente marcamos um encontro num bar de um conhecido lá pelos lados da Tijuca (*). Porém, para a minha surpresa, ela tocou no assunto de seu ex-noivo e sobre a razão do término da relação. Como sabia de minha amizade por ele, chegar a esse ponto durante a conversa seria inevitável. Primeiro falou das aventuras extra-relacionamento, depois das “noitadas” e, por fim, tocou no assunto das “filmagens” com câmera escondida.
Fiquei roxo, literalmente, com medo que esse assunto de alguma maneira pudesse me relacionar com o fato. Mas como ela iria saber? Na hora, quando a conversa avança nem dá tempo de pensar em prós e contras, o rosto fica vermelho até ficar púrpuro.
Mostrei espanto e me fiz de desentendido até descobrir que ele mesmo havia confessado e mostrado a filmagem a ela. Talvez estivesse perdendo a oportunidade de entrar de sola naquela mesa de bar assumindo que fui convidado a ver a tal fita e que havia gostado muito da cena em que ela aparecia amarrada. Quem sabe, estaria ali a chance de um convite a uma nova aventura a dois, sem nenhuma câmera indiscreta.
Entretanto, o bom senso falou mais alto e me despedi daquela gata sem pelo menos expressar o quanto frisson a cena me causara, e como eu gostaria de ter sido protagonista daquele caso.
Pensei em algum dia ter um novo contato, começar do zero e na possibilidade de acontecer alguma coisa. Hoje, com mais maturidade presumo que poderia ter tido realmente outro tipo de atitude, mas ninguém deve pré-julgar os caminhos que a vida toma e em qual direção seguirá o curso do rio.
Ela foi embora com um beijo no rosto e outras pessoas vieram trazendo outras tantas experiências que poderiam não ter acontecido.
Mas vale o registro.

(*) Tijuca, nome de origem tupi que significa água suja, é visto como um dos bairros mais tradicionais e de urbanização mais antiga do Rio de Janeiro e é considerado um bairro de classe média à classe média alta.

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