quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Doutor Palhares


Preocupada por ter um incrível instinto de submissa, uma amiga resolveu dar ouvidos a algumas pessoas e procurou um analista. Uma velha colega de Faculdade recomendou um terapeuta formado em psiquiatria, Dr. Mancebo Palhares.
Após o fim de seu relacionamento com um fetichista de tendências totalmente dominantes, ela se viu em palpos de aranha para conseguir se firmar noutra relação. Contou que o fetiche lhe fazia tanta falta que chegava ao cumulo de se auto-flagelar durante o ato sexual com seu novo parceiro às escondidas, sem que o cidadão pudesse notar. Buscava na dor o prazer que não tinha nas noites mal resolvidas.
Mínimos detalhes eram relatados com extrema riqueza e devidamente anotados pelo Dr. Palhares que prestava bastante atenção ao que sua paciente dizia. Ouvia e perguntava, principalmente sobre seu relacionamento passado.
Minha amiga estava feliz com as consultas. Tinha no analista um aliado confidente e aquela altura conseguia entender a razão de sua submissão total e sobre sentir prazer com a dor. Convencida de seu masoquismo extremo restava encontrar um novo parceiro que a levasse de volta ao caminho do qual se perdera.
Passou então as práticas solitárias. Através de relatos colhidos pela Internet experimentou sessões secretas que terminavam em marcas profundas e longas masturbações finalizadas com orgasmos intensos. Faltava-lhe, porém a relação carnal, a chamada coisa de pele, o sabor e o cheiro do macho dominador para se sentir completa.
Tentou daqui e dali, mas não apareceu nada que fosse capaz de mudar o panorama.
No final de uma das rotineiras consultas, recebeu do Doutor Palhares o convite para uma conversa fora do ambiente médico-paciente. A confiança era tanta que sequer pestanejou em aceitar tomar uma bebida e ampliar seus horizontes.
Livre das formalidades e da conduta de ética necessária a qualquer profissional, o Doutor Palhares procurou aprofundar o papo fetichista e minha amiga viu-se diante de alguns conselhos ousados, que soavam como experiências de quem tinha amplo conhecimento do assunto.
Não foi difícil perceber a certa altura que o Doutor Mancebo Palhares era um fetichista.
E além de fetichista possuía as mesmas tendências submissas da minha amiga e há um bom tempo convivia com a procura de uma dominadora que pudesse realizar seus desejos.
Ela a principio foi obrigada a assumir o impacto que a revelação lhe causou, mas aos poucos foi entrando na roda e descobriu que daquela forma se sentia bem melhor em discutir seus problemas. Estava diante do “ombro amigo” que tanto lhe faltava, embora tivesse sido providencial as sessões de análise a que fora submetida.

Tronaram-se amigos confidentes a ponto de dividir as angustias e desejos secretos de uma mesma maneira. As consultas terminaram e nas conversas telefônicas, via email ou pessoais, contavam histórias recentes de encontros ou desencontros, além de se divertirem bastante com relatos mútuos de cenas solitárias que experimentavam toda vez que se sentiam sozinhos.
Um dia uma dominadora chegou de outra cidade para um evento e levou com ela o coração do Doutor Palhares. Os encontros ficaram raros e aos poucos desapareceram.
Minha amiga contou que continuou recebendo mensagens do ex-analista onde pedia noticias, mostrava-se preocupado com ela e falava de sua relação cada vez mais sólida e intensa.
Confessou que sentiu ciúmes no começo, embora no fundo do ego desejasse ao amigo toda a felicidade do mundo. Lamenta até hoje que uma amizade sincera e sadia tenha terminado da forma que eles mesmos previam, nos tantos chopinhos de fim de tarde na praia do Leblon.
Vida que segue...
E ela ainda está à procura de seu par perfeito.

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