segunda-feira, 29 de junho de 2009

Pillow Talk


Se bem me lembro, deveria ter uns dezessete ou dezoito, não sei bem ao certo.
Só sei que um belo dia após o banho me olhei no espelho e resolvi me enxergar.
Será que sou tão diferente assim? Como seria minha vida se não tivesse nascido fetichista?
Naquela idade as dúvidas são normais, mas fui dormir com um cachorro atrás da orelha.
E nas conversas com meu travesseiro deixei minhas teimosias adolescentes enfronhadas na cama. Me imaginar num mundo sem mulher amarrada seria a maior imbecilidade que eu poderia cometer comigo mesmo...
Só o fato de não sentir nada diante de uma mulher amarrada em hogtied, com os pés para o alto, seria me ver broxando na flor da idade, pelo menos em pensamento.
Ninguém consegue ver um mundo diferente do que seus olhos acham o ideal porque gera um conflito tão grande que chega a ser impossível de prever.
Numa hora dessas há duas opções: esconder ou renegar.
Sinceramente, eu até prefiro a primeira opção porque jamais renegaria meus sentimentos mesmo que sejam pervertidos e insanos às vistas de terceiros.
Achar a felicidade quando se toma decisões radicais, ainda mais em casos de fetiche onde “quase” não há práticas sem parceria é difícil, por isso a relação tem que ser negociada, estruturada, ou você morrerá se masturbando.
Nem sempre fui tão libertino e corajoso pra dar a cara a tapa ou colocar a bunda na janela. Tive um zilhão de incertezas como todo mundo. Venci a vergonha, o medo e o preconceito com muita dificuldade apoiado na oportunidade que a vida me concedeu.
Hoje é fácil olhar do andar de cima e ver a cacetada de degraus que um cara tem que percorrer pra chegar até aqui. Seria um hipócrita descarado não admitindo que também precisei de ajuda, de “colo”, de compreensão. O pior Zé, é que um fetichista muitas vezes resolve isso tudo sozinho, sem bengala, sem ninguém, e quando aparece alguém a concorrência é foda! É como festa fetichista: trezentos podólatras para dez pares de pés...
Mas a vida segue seu curso. E nesse caminho você tem que escolher com quem andar, por onde ir e entre cem pessoas de seu relacionamento mais próximo não há ninguém que tenha a mesma tara que a sua. Pior ainda quando você está numa roda e alguém toca num assunto do gênero e todo mundo solta que “isso é coisa de maluco nojento e pervertido”.
Se tiver um buraco bem próximo é lá mesmo que você gostaria de se enfiar, ou se atirar no primeiro abismo. Você não suportaria toda a zoação do mundo na tua conta, gente gargalhando te fazendo de babaca supremo, de bobo da corte, de palhaço do circo. Só de pensar na possibilidade o fetichista se sente tão espremido qual tomate em fim de feira.
Você segue em frente e um dia dá de cara com alguém assumido que literalmente caga para qualquer crítica, isso bem lá no começo. Esse sujeito passa a ser seu herói, um Nacional Kid em meio a um mar de Seres Abissais... (Essa é velha, heim?)
Segue os passos desse sujeito e encontra outros adeptos assumidos ou em fase transitória, em algum gueto, num lado tipo underground. Ali passa a ser seu ninho e todos que te cercavam passam a ser noticia de um jornal usado que ninguém se interessa em ler.
Pronto, você venceu Zé!
Nada, porque começa então a sua peregrinação por quorum participativo e o aguçado senso animal masculino te dá a força necessária para se achar o máximo e com muita coragem tentar convencer a sua “namoradinha inocente” de três anos a aderir ao movimento popular revolucionário fetichista.
É aí que o distinto amigo se engana e quebra a cara. Porque a garotinha vai te mandar à merda na primeira tentativa de levá-la a esse mundo indecente.
Os anos passam, você consegue viver uma “vida dupla” a tal ponto de não causar nenhuma desconfiança de seus amigos próximos. É o período em que você se sente como um tigre enjaulado.
Com grana no bolso recorre às mulheres de vida horizontal e ali se diverte sem culpas, embora vivendo uma grande mentira. Mas o que vale é o sonho e nessa onda o tempo passa e ninguém percebe.
Até que um dia a sorte bate a sua porta e no meio de uma festa lá do gueto alguém entra em sua vida com um fetiche “parecido”. Sim, porque a cara metade, aquela que quer exatamente o que você deseja já não é só a sorte grande, é o cumulo da coincidência.
Mas isso é parte de uma outra conversa, num outro dia...

3 comentários:

  1. Olá
    Tenho 63 anos e faz algum tempo que descobri o blog e passei a acompanhar diariamente. Suas matérias por vezes me serviram de auto-ajuda e esse ultimo tópico retrata a vida de muitos fetichistas ao longo de uma caminhada. Os que conseguem sobreviver, pelo menos.
    Muitas vezes me escondi também e me escondo até hoje. Não conseigo reunir coragem para suportar aquilo que você sabiamente coloca com sabedoria e conhecimento de causa. Tenho uma filha de 24 anos prestes a se casar e nem imagino que isso pudesse chegar a seus ouvidos.
    Meu casamento tornou-se um fracasso por covardia minha e agora, a essa altura, sem nenhum remédio.
    O que me consola, o que tem me consolado é ler seus artigos de onde reflito e acho que ainda é tempo de tentar outra vez.
    Não deixe de escrever em hipótese alguma, porque assim como eu outros podem depender dessa importante coluna para buscar dias melhores e, principalmente coragem.
    Parabéns

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  2. Amigo,
    Obrigado por suas palavras de incentivo e reconhecimento.
    É minha intenção sempre seguir com o blog e buscar novas matérias.
    Valeu sua participação!

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  3. Desculpa me meter nessa conversa.
    Sou recém chegada e já consegui ler pelo menos uns 70% das matérias, o que me dá algum conhecimento de meter o bedelho.
    Acho que a questão do fetichista é muito mais timidez do que coragem.
    Posso estar enganada, mas percebo até pelos comentários ao longo dos tópicos esse aspecto.
    Uma mulher só percebe certas atitudes num homem se ele se revela, por isso creio que a timidez não permite esse diálogo franco.
    Acho bacana ver fotos, videos, mas também acho importante tentar trazer isso para o cotidiano.
    Como você bem diz ACM, há que subir os degraus e alcançar o objetivo :)

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