quarta-feira, 13 de julho de 2011

Reminiscências


Ainda lembro daquela figura magra como um palito e sua parceira cheia de curvas.
Chuva ou sol, noite ou dia era um mero detalhe, porque os óculos escuros sempre escondiam seus olhos.
Num dos encontros na casa de um camarada em Sampa onde um grupo de fetichistas se reunia pelo menos uma vez por mês, ele chegou de preto assim como a parceira ao lado. Na maleta pedaços de casca de abacaxi, uma palmatória e um CD. Isso mesmo, um CD do Roberto Carlos. Estranho?
Mandou aquela mulher caladona abaixar as meias 7/8 e ajoelhar nas cascas de abacaxi que estendeu no chão. Todo mundo de butuca grudada, um deliro. O povo todo doido por uma cena. Aliás, fetichista principiante diante de uma cena real é igual criança no circo...
Pediu licença ao dono da casa e colocou a música “detalhes”. De palmatória em punho disse em voz firme: “canta, tudo, e se errar leva uma de jeito e volto a música”.
Pensei: cacete, nada contra a música e o cantor, mas se essa mulher errar a letra vamos escutar esta porra a noite inteira!
E rolou a canção. Ela cantarolava baixinho e por isso levou a primeira bordoada. Gemeu, mas seguiu na letra. E ele atento, como um professor corrigindo prova, manja? E ela lá, aumentando o ritmo e de olho naquela palmatória.
Aquela altura até deu vontade de ajudar a menina e puxar um coro, mas como estragar a cena do sujeito e suas idéias nada convencionais? Segui de olho. Bom, até o final da música foram umas três ou quatro deslizadas e por conseqüência as palmadas. Terminada a apresentação da dupla reinou um silêncio oco como um tronco de carvalho velho.
Tratou de se ajeitar numa poltrona e mandou a moça sentar no braço ao lado dele.
Todos conversavam, e vale ressaltar que não era um encontro de cenas, ou seja, o sujeito que pela primeira vez aparecera com a parceira que tanto falava havia quebrado o protocolo.
Me intrigava o fato da mulher ao lado dele permanecer calada e com os olhos voltados pra baixo. Deve ter olhado pra aquele par de sapatos umas trezentas vezes sem dizer nada. Finalmente ela levantou pra pegar uma bebida pra ele e voltou à posição de origem.
Deveriam ter umas quinze pessoas naquela sala grande, fácil. Ele pouco falava e a ela sem esboçar qualquer reação apenas o acompanhava com olhos quando ele entrava num assunto.
Já estava noutra quando percebi que o casal estava se despedindo pra partir. Ele é claro, porque aquela mulher não soltava um muxoxo sequer. E foram embora para outro compromisso como ele afirmou dizendo adeus.
Sobrou um clima estranho. As pessoas se entreolhavam doidas pra sentar o sarrafo no cara, dava pinta disso, mas ninguém começava a pintar a aquarela. Até que uma japinha nova no pedaço resolveu comentar que havia achado estranha a postura da moça. Voaram opiniões de todos os lados e naquele momento a onda era falar da vida alheia. Prós e contras eram incontáveis, fora os que mudavam de lado.
Calado estava e assim fiquei, até que o dono da casa quis saber o que eu achava daquilo tudo.
“Quer saber, acho que ela deveria ter participado da festa. O cara chegou, quebrou a regra (aquilo era o que se chama de “munch”) e realizou uma cena pra mostrar seus dotes. Se é um evento onde a conversa é participativa a todos ela deveria se manifestar”.
A maioria achava a postura da moça correta como submissa e outros aderiram a minha lógica.

Donde se conclui que: BDSM e opinião são pólos onde a divergência gerencia a aproximação e o afastamento. Noves fora o que seja do agrado da grande maioria eu sempre gostei de ter a minha opinião e acho que isso é sempre uma forma de expressão.
Portanto, discordar aqui é um direito de todos que se propõem a ler o que eu escrevo.
Peço apenas que deixem minha mãe, meu rabo e minha testa de fora das discordâncias. Minha opinião em nada reflete informação sobre minha genitora, minha sexualidade nem a fidelidade de minhas parceiras.

Info BDSM (Munch): munch é uma reunião social entre pessoas envolvidas ou interessadas em BDSM, geralmente em um restaurante. Quando disponível, munches costumam ser realizados numa sala privada ou até na casa de alguém. No Reino Unido, o local é geralmente um pub, e as pessoas são livres para chegar e sair dentro do horário estipulado.

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