sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Dos Tempos Idos


Esse negócio de fetiche é mesmo muito particular. Imaginem vocês que dias desses eu andei relembrando passagens em que a alma flertava com brincadeiras apimentadas e a mente não obedecia o comando. Sim, ela deveria dar ordens à boca pra balbuciar mesmo espumando as picardias que me perseguiam nos tempos pós-adolescência.
Até arranjava as minas pra dar uma escapada heróica numa rua deserta qualquer, o que se chamava carinhosamente, ou de sacanagem mesmo, de motel das estrelas. Sabe como é: grana curta, gasolina contada e uns trocados pra pagar a prestação do possante. E motel era caro. Não pensem que com qualquer sessenta pratas você conseguiria um quarto limpo e uma cama bem feita pra deixar seus desejos ali. Era de machucar o orçamento sem dó.
Então me lembrei de um dia destes, em tempos idos e noite quente, quando o amigo aqui pegou o Bugre do Marco pra tirar uma onda. Nada melhor que uma brincadeira em alto estilo.
Minha memória me trai um pouco quanto a esse dia. Talvez por culpa do vinho suave que exagerei antes de levar a moça pra ser imolada no Alto da Boa Vista. Eu estava bêbado.
Sorte que nem se falava em Lei Seca ou qualquer outra situação parecida, mas fato é que em pleno verão numa época em que os carros não possuíam esse assessório tão bem vindo chamado ar condicionado, um bugrinho sem capota era tudo de bom.
Aqui cabe uma pausa. Porque se nos dias de hoje com toda literatura e exposição midiática o fetiche ainda é um tabu, imagina isso nos anos oitenta? Era camisa de força no ato e a guria saía numa debandada desesperada sem cerimônia. No entanto, bêbado faz muita merda. Por isso, dizem que a bebida relaxa, estimula e coisa e tal. Mas é um gole, dois ou três no máximo. Só que eu tinha mamado uma garrafa de um vinho desgraçado chamado Góes e estava pra lá de Bagdá. E a boa não era falar, era por em pratica sem prévio aviso.
Se a senhorita achasse estranho pelo menos eu já teria tirado uma lasca do pudim.
Meti as caras e não quis saber de nada. O Santo Antonio do Bugre – aquela barra de ferro que protege de uma capotagem – virou um aliado de primeira. As mãos da donzela foram parar na barra central e minha meia serviu de atadura. Pensei: “vai me dar um bico nos culhões.”
Mas era pegar ou largar e meu estado etílico não permitia tamanha precisão de conduta e muito menos de discernimento. O palco montado, a cena na agulha e aquela mulher doida de tesão até o ouvido com as mãos presas acima da cabeça e as pernas arreganhadas apoiadas no painel. Pena que aquele maldito freio de mão não me permitia estar mais confortável pra dar tratos à bola, porém, deu pra dar um jeitinho e a coisa rolou solta.
Apesar de escuro, escondido, o Motel das Estrelas era um lugar com alta freqüência, um entra e sai de carros na famosa curva do S e todo mundo disputando espaço. Foi quando notei encharcado de álcool que eu estava exposto sem a capota e os carros ao lado tinham um filme erótico passando ao alcance dos olhos. Foi minha primeira cena de exibicionismo totalmente involuntária.
E não dava pra retroceder. A moça estava ligada no ato e eu que havia criado o roteiro era o pai da historia. Com isso consumou-se e como os nós feitos com a meia curta e minha pouca experiência bondagista da época a fizeram sair daquele “martírio” pra se embolar comigo num dos assentos do Bugre. A bagunça só terminou porque a digníssima senhorita resolveu colocar o vinho que havia ingerido pra fora numa tamanha bizarrice cômica. O Bugre e eu ficamos literalmente cagados, o que apagou meu incêndio de vez.

O legal disso tudo é lembrar o que foi bom e o que foi ruim. Do fato de ser intrépido e encarar o desafio de praticar o fetiche a céu aberto valeu muito mais que tentar se explicar e emplacar uma teoria murcha. Nesse caso a cena avulsa fez sentido, deu liga e somente terminou de forma bizarra pelo vinho indecente que consumimos antes de subir o Alto.
Portanto, a única atitude que extrapola o princípio do São Seguro e Consensual é o atrevimento e um negócio chamado desejo, que quando tem quorum desafia até a mais rotulada regra de conduta do ser humano.


 Um excelente final de semana a todos, lembrando que está valendo votar no Bound Brazil.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que saudade de seus escritos,um retorno em grande estilo,adorei o texto,e esse bugre me deu vontade....amotu

Anônimo disse...

Realmente, um ótimo retorno. Ah, e eu já tomei vários porres com vinho Góes!!! Mesma coisa, grana curta, motel caro... heheheh
Como é bom lembrar disso!!

Obrigado por voltar!!

Abs

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